quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O HOMEM QUE FALAVA COM AS PORTAS


Texto e Desenho de Adriano Irgang*


Eu não sei por onde começar. Mas faz algum tempo. Alguns anos, para ser preciso no que eu quero dizer. As coisas ficaram diferentes. Foram ficando diferentes, quero dizer. Aquilo que acontecia com uma rotina, foi se tornando cada vez mais raro. As pessoas foram ficando diferentes. Algumas pessoas foram embora, outras chegaram. Parece estranho. É algo que ocorre de acordo com o tempo, como as horas passam, acho. Eu tinha que pensar muito antes de fazer qualquer coisa. Agora parece que tem outro. Outro eu. Eu não sou mais eu. Eu sou o que eu era, mas o que eu era não é mais o que eu sou. É complexo, mas isso. Mas tem uma coisa mais diferente que eu queria dizer. As pessoas. É sobre as pessoas que eu quero falar. E natural uma mudança de comportamento. O mundo gira, afinal. Mas o que eu quero dizer, é que para meu espanto, talvez, houve uma mudança brusca de comportamento. Eu fico me perguntando, às vezes, o porquê disso. Eu cheguei a conclusões, mas não vou relatar todas, só as principais. Vamos lá, vou começar com a primeira de três, que selecionei:


PRIMEIRA CONCLUSÃO: ESTAMOS NO SÉCULO 21


Computador, celular, microondas, TV a cabo, download, etc. Essas coisas eram pouco conhecidas há uns 20 anos ou 30 anos atrás. O máximo de tecnologia que eu tinha ouvido falar era TV colorida e carrinho de brinquedo com controle remoto. Hoje, antes de fazer qualquer coisa, como tomar café, se vestir, se pentear ou ir ao banheiro, as pessoas ligam o computador para verificar as redes sociais, facebook, flickr, last.fm, My Space, Orkut, Netlog, e-mails, os sites de informação como o Terra, o google. Tem o msn. Viver sem o computador, nem pensar. O mais incrível e que algumas pessoas insistem em viver sem o computador. “Eu não preciso dessa televisãozinha” – dizem os incrédulos. Tudo bem. É possível viver sem o computador. Muita gente vive sem ele. Não sou eu a obrigar todo mundo a ter um computador ou vou comprar computador para todo mundo. O computador, na realidade, é pra quem tem tutu, arame, money, e outros adjetivos do dinheiro. Essa é uma verdade. O computador criou uma legião de analfabetos virtuais. O analfabetismo virtual é cruel. Porque muitas escolas não oferecem acesso a computador. Internet nem pensar. Se o cara quer estudar, aprender a ler e escrever ele ainda consegue, com um pouco de esforço. Mas quem quer aprender informática, é realmente mais difícil. O computador cria seus analfabetos. Usar disquete hoje é impensável. Ele já virou peça de museu. Agora é o Pen-drive (de 2gb até 64gb) e o CDR, ou o CDRW. Aprender a usar o computador não é como aprender a datilografar a máquina. Essa palavra datilografar, nem existe mais. Agora é digitar. O computador é um eterno aprendizado. Tem se atualizar, senão também fica para traz.

Porém, essas tecnologias tornaram as pessoas, de modo geral, mais isoladas. Tudo é mais prático. Você pode comprar tudo pela Internet, até comida. Comprar pizza pronta, sem precisar sair de casa, para assar no forno microondas, e não precisar fazer almoço ou jantar.


O celular é outra realidade. Ninguém vive sem o celular. Uma época, eu não tinha celular. Quando me perguntavam qual era o meu número de celular, eu respondia para espanto geral da nação, que não tinha. É quase inadmissível não ter celular. É caso para prisão ou espancamento, apedrejamento. Mas também conheço pessoas que não tem celular. Realmente não precisam dele. São pessoas que também não tem computador. Tem a vida mais ou menos estabelecida. Vivem apenas com o básico.


Eu falo com as pessoas mais por e-mail, do que pessoalmente. Quem tem Internet, até prefere se comunicar por e-mail, ou msn. É um mundo paralelo. A TV não forma mais opinião, e a Internet é quem manda. A TV ficou para traz. E a TV insiste em seguir uma linha batida, manjada para as pessoas, como as novelas, os programas de auditório. Os filmes inéditos eram um dos grandes trunfos da Internet. Nos contávamos os dias para assistir os filmões. Guerra nas Estrelas, Platoon, Rambo, O Exterminador do Futuro. Hoje você pode baixar eles pela Internet antes mesmo deles serem lançados para o público. Assistir os filmes antes de todo mundo. Quando alguém diz que tal filme vai passar na TV, eu digo: esse filme eu já vi. E várias vezes. Vi até cansar. Mas a graça estava em aguardar o tão esperado filme passar na TV, pra depois assistir e ter o que comentar. Como você vai comentar algo com alguém se só você viu? A graça está no coletivo, não no individual. As pessoas tentam se unir em torno dos jogos de futebol, mas isso está muito repetitivo e cansativo. O mundo está tão sem graça que as pessoas buscam inconscientemente as coisas sem graça na TV. A única coisa legal é a Internet, no fundo.


A Internet facilitou a vida das pessoas, mas também é algo como você ir de lugar nenhum para lugar nenhum. Às vezes o difícil é o que deixa a vida com graça. Quando é tudo fácil, que graça tem. A comodidade nos torna também preguiçosos. Isso não se resume a você resolver um problema sem precisar andar a pé ou de carro ou de táxi de cavalo ou de bicicleta. Você se vai se tornando mais preguiçoso para outras coisas também. Lutar por algo, que traga retorno para você e a sociedade. Tudo o que existe hoje no mundo é fruto de lutas, guerras conflitos. As ideologias boas são resultados de muita luta. Mas quando todo mundo se esconde atrás de um computador, também se esconde de outras coisas. Aí, você não enxerga mais passeata, protesto, manifestação de nada e a conclusão e que se chega é que está tudo bem.


Realmente estamos em outra época. Os tempos são outros. Não estamos mais no século 20. Realmente não estamos. Não tem mais as grandes guerras. Agora é a guerra relâmpago. A guerra fria acabou faz tempo. Não se fala mais em espionagem. 007 está fora de moda. Os espiões ficaram obsoletos. Agora é o hackers, os terroristas, o Osama Bin Laden.

Uma banda de rock nova você não ouve no rádio, mas no youtube. Fui conhecer uma banda depois que ela fez muito sucesso. Isso que eu uso bastante a internet. É só pesquisando muito para descobrir as bandas boas.


O download foi a melhor coisa que inventaram. Porque agora eu posso escutar todas as Bandas de rock que eu tenho vontade. Antes tinha que pagar uma bala por um “bolachão”. As lojas de discos também se tornaram obsoletas para mim. Nunca eu encontraria o disco do Muddy Waters, o Folk singer, aqui na city em uma loja de discos.


Porém, apesar das comodidades destas tecnologias, elas também trazem desconforto na hora em que dão defeito. Aí, é um casamento, uma novela, para resolver o problema. O concerto sai às vezes mais que o preço da própria máquina. Sem contar o quanto tem que andar por aí, gastando sola de sapato, gasolina, pneu, motor, etc. e tal para resolver o problema. Oh meu pai!


MINHA SEGUNDA CONCLUSÃO: O GOVERNO


O governo tem uma responsabilidade no comportamento apático das pessoas. Rolling Stones, Led Zepplin, Ramones virou nostalgia. Hoje a juventude escuta o Sertanejo Universitário. Na minha época, nos curtíamos Nirvana, Iron Maiden, Dead Kennedys. Isso em uma época dos “caras pintadas”, que não era lá tão grande coisa. Ninguém quer mais aparecer, ter responsabilidade. Hoje as pessoas pintam o rosto só em jogo de futebol. O protesto está fora de moda, como a rebeldia. Ser rebelde é ser louco. Não dá pra fugir muito do padrão. Senão você é rotulado como um tresloucado, um porra-louca. Tudo é razão para se comprometer, por isso as pessoas estão com o freio de mão puxado. Ninguém quer responsabilidade. Todo mundo está se encolhendo. Porque certas coisas que você fizer, pode significar muito para você. Fazer alguma coisa. Todo mundo quer ser discreto. Não existem mais os grandes líderes. Eles se foram. Os grandes músicos. Eles se foram. Se foram ou estão se indo. Nelson Mandela, Mao Tse Tung, Mahatma Gandhi, Elvis, Muddy Waters. A liberdade é uma coisa boa. Por isso eu cito estes caras. Eles pregavam a liberdade. Eu sou livre para fazer o que eu quiser, desde que não interfira na liberdade do outro. Assistir o que eu quiser na TV. Escutar a música que eu quiser. Essa é a nossa liberdade. Entretanto, não dá para se diferenciar da multidão. Isso gera desconfiança. Quem? Mas o que aquele cara está fazendo? É subversivo, está contra o sistema instituído? O normal. Ser normal não é opção, mas quase obrigação. Não dá para dar uma de louco. Os riscos são grandes. A liberdade que nós vivemos é vigiada. Sempre deve se ter cuidado com o que vai fazer, até mesmo deve se ter cuidado com o que vai se pensar. Os inconformados não têm mais “eco” para suas reivindicações. Querem saber o porquê? Não há inconformados. O governo da assistência para todo mundo. Aí que está o perigo. Quando a esmola é demais o santo desconfia – como diz o ditado. Não existe mais rebeldes como o Raul Seixas, o Renato Russo, porque a sociedade não precisa. Ela tem o que precisa. O governo para segurar suas calças. O problema é que o Raul e o Renato fazem falta. O Jimi Hendrix faz falta. Os bons guitarristas não aparecem na TV, não querem sujar o filme. A TV é brega, fora de moda. O lance é aparecer primeiro na Internet e depois, quem sabe na TV.


Fazer parte de algo, pertencer a algo é preciso. Um partido, um sistema, até mesmo para saber por que as pessoas gostam de você ou te odeiam. Ideologia, eu quero uma para viver, como dizia o Cazuza. Mas tomar partido pode ser perigoso. Ser de esquerda ou de direita é perigoso. Melhor é ficar na moita, bem escondido. Em cima do muro. Assim ninguém ataca o cara. Não pertenço a nada, partido, time de futebol, nada. Sou neutro. Nunca quero pegar em armas, sair dando tiro nas pessoas. Mas aí me vem uma pergunta intrigante: na época da 1ª e 2ª guerra, por exemplo, não havia caras da paz como eu? Havia. Claro. Perdas e ganhos. Entre não fazer algo e não ganhar, eu prefiro fazer algo e ter chance de ganhar. Não vou me encolher, podem me chamar de louco. Vou até o fim. Se for preciso também pegarei em armas, brancas ou pretas.


ULTIMA CONCLUSÃO: ESTOU FICANDO VELHO

Eu não sou mais criança. Não da para agir como se fosse uma. Mas a gente parece querer agir como uma. Não sou mais adolescente também. Aqueles amigos de infância foram embora. Outros vieram. Mas quando eu era jovem, tinha energia, e gastava ela coçando, dormindo. Agora eu quero fazer as coisas e estou sempre cansado. Por isso, quando os pais nos dizem para aproveitar o tempo, estudar, a gente deve ouvir esses conselhos. Por que depois, as coisas ficam mais difíceis. Eu devia ter estudado mais, me esforçado. Mas perdi meu tempo com outras coisas. Coisas inúteis. Dormir, assistir TV, sair por aí com os amigos. Era uma época que eu tinha energia para gastar. Hoje eu estou cansado para tudo. É tudo esforço. Muita coisa mudou. Não tenho mais os grupos de escola, há muito tempo. Agora é só resolver problemas, pagar contar, tentar sobreviver com um salário. Antes os pais faziam tudo para gente. Agora eu tenho que me virar, dar um jeito. Tentar não se ferrar de vez. As coisas estão nesse patamar.


É isso. Para falar das pessoas, também preciso falar de mim. Acho que as pessoas estão mudadas, mas eu também mudei e o mundo também. Não dá pra negar. O tempo é cruel, senhor das coisas. É ele quem manda, até mesmo nas tecnologias, que daqui um tempo estarão ultrapassadas e serão substituídas por outras. Por isso, em vez de ficar discutindo sobre as pessoas, cheguei à conclusão que devo aproveitar o máximo do meu tempo com coisas úteis para mim, depois eu vou pensar nas pessoas, na sociedade, no time de futebol, na política, em Israel, na Palestina, e em Mandela ou no Ayrton Senna.


A vida é um eterno aprendizado, e eu sou um eterno estudante.


*Adriano Irgang é contista, poeta e desenhista. Outros textos e desenhos de sua autoria estão no seguinte endereço:

http://www.replicantescotidianos.blogspot.com


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